segunda-feira, 13 de outubro de 2008


Caros amigos,

Disponibilizo abaixo, na íntegra, o Recital Poesia Urbana - Geopoemas e Canções do Espaço Paulistano, que foi apresentado entre 06 e 10 de outubro de 2008, durante o XVI Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves - RS.
Um breve diálogo, onde geografia, poesia e música criam pontos de intersecção.

Em Bento Gonçalves o trio que atuou no Recital foi:

Alex Barros (Bento Gonçalves) Metralhadora de Poemas (esquerda da foto)
Rogerio Santos (eu)(São Paulo) Cantor e Poeta, autor de todos os textos do projeto (centro da foto)
Ricardo Pelegrini (Bento Gonçalves) Violonista (direita da foto)

Aqui no blog, cabe destacar que os áudios das canções:
Freguesia do Ó, Soul da Cidade, Enterprise, Solicitude, Torresmo na Madrugada, Carro Anfíbio e Breque do Guioza, foram gravados ao vivo em junho de 2007 no auditório da escola Canto do Brasil e conta com o violão do parceiro Floriano Villaça.

Outros textos que aqui se encontram, também foram musicados, mas entraram como poemas no projeto.

Disponibilizo esse material para que outras pessoas que não assistiram as apresentações possam ter contato e noção do trabalho apresentado.

Ficarei muito feliz com comentários e críticas... preciso deles.
É um passeio com 16 textos e 7 canções... vamos lá !!!

Agradeço imensamente aos parceiros Tony Pituco Freitas e Floriano Villaça que tiveram a luz de criar as melodias para minhas letras.
E também ao Alex Barros e ao Ricardo Pelegrini, que embarcaram nessa viagem paulistana comigo no Congresso de Bento Gonçalves.

Grande Abraço à Todos
Rogerio Santos

PS: Um agradecimento "triespecial" para a Cacau (Cláudia Gonçalves) e para Ademir Bacca, que abriram a possibilidade da realização desse projeto dentro da programação oficial do Congresso.

1


Efervescente

ROGERIO SANTOS

depois passar algum tempo
herméticamente fechado
aguardando paciente
um raro momento de viver

finalmente sou liberto
no prazo de validade
sinto que o ar se propaga
quando é rompida a embalagem
e num mergulho único
espalho-me dentro de ti



2

Freguesia do Ó
Letra: ROGERIO SANTOS
Música: TONY PITUCO FREITAS

Rogerio Santos - Freguesia do Ó


da Ladeira Velha
do Largo da Matriz
da rua da Bica
do mirante do Bruno
do largo do Clipper
da rua da Balsa

do casario remanescente
de tempos idos
das ruas de terra
da infância vivida

transpira a história
de uma Freguesia
que foi engolida
por nossa cidade

vestígios de charme
em finais de tarde
nas mesas de bares
de flertes e olhares

no pão do divino
seu mastro e bandeira
reside uma benção
da mãe padroeira

dos caminhos sepultados
de viajantes tropeiros
dos meandros apagados
do rio que foi vivo

retoma teu brilho
Itaberaba
respira fundo
Itaberaba

3


Eclusa

ROGERIO SANTOS

no canal transversal
cavado no istmo
que liga a razão
a intuição

existe uma eclusa
que capta a chuva
que faz da vertente
torrente, erosão

por ela navega
pulsante e rubra
valente e obtusa
a nau coração


4


Corpo Cidade

ROGERIO SANTOS

a casa
é o coração
da gente
a rua
a primeira
artéria

depois tem
a avenida
e o refluxo
que agita
a vida
na colméia

os olhares
e os cílios
toldos
varandas
sacadas
secretas

o bairro
é o pulmão
os arrabaldes
são rins
fígado
e traquéia

o centro
é o cérebro
a zona industrial
estômago
e a comercial
sistema nervoso
e cefaleia

o corpo
se move
e avança
no espaço
cotidiano
de pura
matéria


5


Estação da Luz
ROGERIO SANTOS

todos os dias
na estação da luz
num sobe e desce
um mar de gente
se traduz

na mesma ânsia
de andar
um passo a mais
de ir em frente
prá chegar
noutro lugar

por esse ciclo
de caminho
demarcado
no mesmo horário
o mesmo som
de ladainha

tampouco importa
em que estação
chega esse homem
pelos trilhos dessa vida
como gado confinado
no suor pelo tijolo
da subconstrução

só busca a luz
da primavera
na estação

só busca a luz
da primavera
na estação


6


Soul da Cidade
LETRA: ROGERIO SANTOS
MÚSICA: TONY PITUCO FREITAS

Rogerio Santos - Soul da Cidade


bicho, sou da cidade!
sou mais um na correria
sempre feliz
sempre insatisfeito
desequilibrado
entre chuva e sol
entre o necessário
e o essencial

sou flex-power
álcool, estricnina
sinvastatina
chopp, omeprazol
soul da cidade

bicho, sou da cidade!
num feriado
é sempre carnaval
acordo as três
pra fugir do trânsito
então me jogo
para o litoral
chego à praia bem cedinho
antes que se acabe
todo cantinho
para o guarda-sol

copertone, caipirinha
caladril e coisa e tal
soul da cidade, bicho!

Soul da cidade
ô bicho, eu sou da cidade
da cidade de São Paulo


7


Nação Piratininga
ROGERIO SANTOS

Tem Pirituba, Piqueri, tem Itaquá
Tem Jaguaré, tem Jaguara e Jaraguá
Tem Tremembé, Tucuruvi, tem Curuçá
Tem Sapopemba e Paranapiacaba.

Tem Mandaqui, Itaquera, Jaçanã
Tem Itaim, Cangaíba e Butantã
Tem Jabaquara, tem Moema e Sacomã
Ibirapuera, Tatuapé, Mairiporã

Carapicuíba, Itupeva e Barueri
Tem Utinga, tem Itu, Itapevi
Tem Cabreúva, Jarinu, Jacareí
Tem Taubaté, Itatiba, Tatuí

Tem Bertioga, Ubatuba e Caraguá
Tem Peruíbe, tem Iguape e Mongaguá
Itanhaém, Picinguaba e Itariri
Tem Icapara, Maranduba e Guarujá

Com Tietê, Tamanduateí e Cabuçu
Pirajuçara, Itororó, Baquiviru
Jurubatuba, Aricanduva e Pacaembú
Tem Cambuci, Ipiranga, Anhangabaú


8


Seis e pouco
ROGERIO SANTOS

seis e pouco da manhã
de um dia normal
o rádio-relógio
dispara o sinal
semínimamente

paulistano
sabe bem
do que estou falando
punhal sonoro
atingindo o sonho
pelas costas

seis e pouco da manhã
desse dia comum
reclamando minutos
roubados de sono
traço planos
(de)cadentes
e sibílo decassílabo

depois do café
"Inês é morta"
voando solto
pela aorta


9


Feira Livre
ROGERIO SANTOS

nas cores da feira
a vida encandeia
no verde abacate
limão espinafre
amarelo mamão
lima-da-pérsia
vermelho tomate
caqui coração

amoraconchegante
para olhar jabuticaba
tão denso de sonho
azulado sorriso
a morar indeciso
no papel da maça

pastel e garapa
entoam cântico:
tchiiiiiiiiiiiiiiiii
tátátátátátátá


sinfônico desejo
ter a fome saciada
por meio arco-íris



10


Enterprise
Letra:ROGERIO SANTOS
Música: TONY PITUCO FREITAS

Rogerio Santos - Enterprise


pelos meandros da fria cidade
no mais seleto anonimato
feito uma nave, roteiro inexato
segue Assis na megacidade

segue Carlos, segue assim, segue assado

Olha pro céu, não vê as estrelas
usa caneta para descrevê-las
batalha seu dia, suspira assovia
segue Assis na sagacidade

segue Carlos, segue assim, segue assado

vende o trabalho, ganha seu sustento
pra que lamento, poesialimento
precisa do simples no seu dia-a-dia
sua verdade não negocia

segue assado

olha pro céu e não vê a lua
mas não precisa, já é aluado
vê tudo embaçado, sutil miopia
por entre os meandros da monotonia

segue Carlos, cegue assim, segue assado

vai ver a lua, vai ver as estrelas
vai ver universo de cards encantados
ninguém sabe como, à caminho do cosmos
pela janela de sua enterprise

segue Carlos, segue agora embarcado


11


Cores
ROGERIO SANTOS

nas minhas paredes
as cores são tortas
sutis primaveras
do lado de dentro
um misto de cinzas
do lado de fora
e não vai tão longe
que ainda era dia
com vales e mares
por todos os cantos
janelas de ripa
de costela nobre
na dança poente
latente relógio
e o sol rabiscando
na veneziana

nas minhas paredes
as cores são mortas
com sete carrancas
postadas na porta
do lado de dentro
incenso de almíscar
que hoje era dia
de doce senhora
e flores do campo
de todas as bodas
janelas ao vento
cortinas de chita
no vaso de ervas
pimenta de cheiro
a dança latente
do sol quando aflora

nas minhas paredes
de cores tão tantra
as cores são tantas
que as cores tão francas
amores devoram


12


Cardume
ROGERIO SANTOS

cato cacos de poesia
como quem garimpa
palavras perdidas
num dicionário da vida

acaso forro aflore
na Ilha das Flores
um eu expectador
personagem ou diretor

invoco terços vocábulos
verso tríade incesto
os Zés e meus eus
entre pilhas de dejeto

masco nós e cós e cuspo
como pet e pão e domo
minha terra prometida
meu maná estilhaçado

devoro por essa vida
tanto tudo todo todo
remo e rede e barco
e esse peixe multiplicado

que todo peixe é palavra
um feixe no xis da questão
aquele que nada e se cala
é peixe de um novo Sião


13


Solicitude
Letra: ROGERIO SANTOS
Música: FLORIANO VILLAÇA

Rogerio Santos - Solicitude


pessoas tem um quê
de nave solitária
nas lembranças,
um tanque de combustível

surrado numa gôndola
de supermercado
palpita um gosto
de fruto tolhido
do canto da boca
brota um sorriso

mora num recanto
sereno da alma
um beijo estampado
em retrato antigo
corte transversal
no peito do tempo

cadeira de balanço
de cada indivíduo
a solidão esconde
açoite, mil faces
esquinas, olhares
lugares ambíguos

ao longe, na rua
o desconhecido


14


Reflexão

ROGERIO SANTOS

os olhos do pobre refletem o medo
os olhos do rico, pardieiro
os olhos da puta refletem desejo
os olhos de quem paga, desapego
os olhos do menino refletem desespero
os olhos de quem passa, apelo
os olhos do padre refletem bueiro
os olhos de quem peca, dinheiro

os olhos da moça refletem veneno
os olhos do sacana, tempero
os olhos da desgraça refletem desprezo
os olhos do preconceito, guerreiro
os olhos do cantor refletem apreço
os olhos da platéia, recomeço
os olhos do pai refletem tormento
os olhos do filho, desalento


15


Blade Runner da Silva

ROGERIO SANTOS


na noite

da minha cidade

não há estrelas,

desaba chuva

de propaganda

enganosa


out-doors

são máquinas

de lavar dinheiro

ditando o foco

da sociedade

cadente


resta na lua fosca

coadjuvante colírio

nos olhos

bombardeados

por implacáveis

luzes.


olhos-de-gato

são reticências

direcionando
o modo de vida

embalado para viagem


16


Torresmo
LETRA: ROGERIO SANTOS
MÚSICA: TONY "PITUCO" FREITAS

Rogerio Santos - Torresmo na Madrugada

andando em Santa Cecília
entre
os bordéis e a Santa Casa
deu coceira na virilha
só de lembrar onde estava

o metrô tava fechado
e caminhar até a República
pra pegar o Morro Grande
desviando dessa fauna?

madrugada paulistana
nevoeiro de outono
a fome que me abraçava
aumentava o abandono

lembrei do pernil do Estadão
perto da Maria Paula
mas era dura a missão
e meu dinheiro não dava

lembrei do Café São Paulo
onde às vezes encho a lata
discutindo futebol
com os amigos de bravata

mas essa é uma outra estória
e o Café tava encerrado
mas por sorte ou por azar
havia o boteco ao lado

esse sempre nos salvara
nas madrugadas perdidas
quando o Café nos faltava
o velho "pé-sujo" acudia

ali eu era de casa
ali eu pagava fiado
com ágio de trinta por cento
mas era super bem tratado

arrisquei um torresminho
da mesma velha vitrine
onde passou alguns dias
aguardando o corajoso

depois da pinga de trinta (centavos)
e de trocar o meu chequinho
acordei na enfermaria
glicosando meu venoso


17

Hipotenusa
ROGERIO SANTOS

lanço um olhar retilíneo
sobre o horizonte de casas
um quadro de altivez financiada
num prédio de periferia
estou acima
não se constata outra coisa
canta um cego rabequeiro
"o sertão já virou mar"
e sou deus e sou nenhum
contemplo as luzes paulistanas
imagino confins pontilhados
na loucura surreal
densidade demográfica
um ponto nas reticências
nas entrelinhas da frase
que não se acaba em Penha-Lapa
parágrafo e letra maiúscula
mas deixa perguntas no ar
muito mais que nono andar
nego cio na solidão
no pensamento negocio
como uma bala perdida
sobre vidas e vigas
no céu da terra prometida

18


Dança
de Outono
ROGERIO SANTOS

por entre as paredes soturnas
dos prédios da Avenida Paulista
o som do vento passeia sorrateiro

pelo leito desse cânion urbano
onde vidas deslizam feito água
ninguém se dá conta dos passos

é o outono que pede licença
bate à porta da margem direita
e reinicia seus rituais de dança

na blusa fina da elegante menina
a piscadela derradeira
dita o ritmo da música no salão

a chuva que castiga a cidade
no final do mês de março
carrega de lágrimas o verão


19


Carro Anfíbio

Letra:ROGERIO SANTOS
Música: TONY "PITUCO" FREITAS

Rogerio Santos - Carro Anfíbio

todo ano, no verão
a estória se repete
na primeira chuva forte
São Paulo vira uma enchente

são pobres perdendo casas
avenidas alagadas
meninos nadando em poças
dezenas de cenas ingratas

aí nosso bom prefeito
interrompe seu rodízio
que se vire o cidadão
vai andar de carro anfíbio

um esperto burocrata
tem brilhante solução
fazer desassoreamento
construir um piscinão

e nem bem começam as obras
surrupiam um milhão
e vão entupir os bueiros
numa próxima eleição

se o lixo é sempre o mesmo
os insetos sem asinhas
passeiam de helicóptero
apreciando a tardinha

"dias de luz, festa do sol...
e à tarde, eu preso em viaduto"


20


Pequeno Conto

ROGERIO SANTOS

num vôo insano
limite plano
velas abertas pelo ar
um único mergulho
quem pode flutuar ?

e vão-se os anos
encantos tantos
e ainda há tempo para amar
num último suspiro
a dança que redime a primavera

há luz no fundo de todo túnel
e tem seu tempo de queimar
saudade labareda
quem pode suportar?

um novo surto
um ciclo ufano
um templo ileso no olhar
agora sem saída
o chão que se aproxima
é só miragem mar


22


Folha de Cima

ROGERIO SANTOS

olho uma folha que vai
no rio corrente
uma só folha que vai
buscando o mar

porque é preciso sonhar
e navegar
porque é preciso sonhar
banho de mar

em toda folha há de ter
a vida urgente
uma só folha é de ler
e tracejar

porque é preciso sonhar
e navegar
porque é preciso sonhar
beira de mar

quero uma folha também
vou embarcar
uma só folha me dêem
e rumo ao mar

porque é preciso sonhar
e navegar
porque é preciso somar
contas de mar

e não importa chegar
não é urgente
o que importa é o ato
de embarcar

nada é urgente demais
para adiar
em cada folha pintar
cores de mar


23


Breque do Guioza
Letra:ROGERIO SANTOS
Música: TONY "PITUCO" FREITAS

Rogerio Santos - Breque do Guioza


quem se mudou para o Japão
não renega jalapeña
essa bossa ficou massa
spaghetti com pimenta
na dose exata

tenho um amigo lá da Móoca
que cansou de comer churro
um dia pegou o metrô
foi parar na Liberdade
gostou tanto de guioza
que zarpou dessa cidade:

- de minha vida paulistana
as vezes sinto saudade
nas férias ia ao Playcenter
andar de montanha russa

hoje que mudei para Tokyo
me equilibro em terremoto
cansei de " la dolce vita"
viciei no ajinomoto !!!

(hummm...olha o chuuuuurrrro, signore !)